Making of do livro “O Gnu e o Texugo” (Parte 1)

Como nasceu o texto

(por Ana Pessoa)


No início pensei num buraco e numa frase que alguém gritaria a quem por ali passasse: “Cuidado com o buraco!”

O protagonista, ainda por definir, cairia no buraco subitamente e passaria então da luz para a escuridão.

Depois coloquei a possibilidade de o próprio livro cair também nesse tal buraco e andar por ali aos tombos até ficar todo baralhado, ou seja, com as páginas trocadas.

Dessa queda espantosa resultaria uma segunda história que seria o oposto da primeira: o buraco era agora uma saída. Outra personagem, também por definir, sairia desse buraco e passaria então da escuridão para a luz.

Investi algum tempo a refletir sobre o tal buraco. Perguntava-me se seria um buraco do coelho (como o da Alice no País das Maravilhas) ou uma gruta, um túnel, a toca de algum animal ou simplesmente um buraco no meio do livro. Nesse momento, apercebi-me de que já tinha lido um livro que incluía precisamente um buraco no meio das páginas: o magnífico “A bola amarela”.

A minha ideia caía assim num enorme buraco.

Felizmente, nesse mesmo dia, passei numa rua bastante ventosa. Faça sol ou faça chuva, nessa rua sopra sempre o vento. Então fiquei a pensar que o buraco podia ser antes o vento e gostei ainda mais desta versão, porque o vento se mexe e tem a extraordinária capacidade de baralhar tudo e também de agitar a alma.

Por se tratar de uma história de travessia, ocorreu-me logo prestar homenagem aos animais migratórios, incluindo aos seres humanos, que atravessam a escuridão na esperança de encontrar a luz. Lembrei-me imediatamente dos gnus, por estarem em constante migração no ecossistema da Tanzânia e do Quénia, e também por serem um animal com características bastante cómicas. Na verdade não percebo por que razão os gnus não fazem parte do imaginário infantil: são animais corpulentos que têm, por um lado, chifres descomunais e, por outro, pernas muito longas e finas. Têm um ar feroz e ao mesmo tempo uma certa elegância.

Uma vez que a história tinha começado num buraco, achei por bem incluir um animal que vivesse debaixo da terra e fosse ao mesmo tempo o contrário de um gnu: um animal meio achatado e de pernas curtas. Cheguei facilmente ao texugo, que é também um animal divertido, com aquele seu risco ao meio.

E já que estava a falar de vento, fiz um tributo à paisagem da costa portuguesa, onde há sempre um ou outro pinheirinho todo torto!

Tratei então de escrever um diálogo que funcionasse em dois sentidos. Queria escrever um diálogo que fosse curto, arejado, anedótico e ligeiramente desatento e desorganizado, como o vento.

Numa versão seria o gnu a voar com o vento. Noutra versão seria o texugo. Em ambas as histórias queria que os dois animais fossem bem recebidos pelo habitante que estaria do outro lado do vento.

Enviei depois o texto à Isabel Minhós Martins, que me disse assim entre parênteses: “não percebi na totalidade”. Ao que retorqui “Se não deu para perceber, é porque é para esquecer”. Ao que a Isabel retorquiu: “Deves estar confinada de todo.” Porque de facto estava toda confinada.

Felizmente a Isabel não esqueceu esta rabanada de vento e mostrou-a à Madalena Matoso. Segundo consta, “foi amor à primeira vista”. Ainda bem!

Quando vi os primeiros desenhos do gnu e do texugo, também foi amor à primeira vista e fiquei cheia de vontade de escrever só para eles. Foi como se também eu tivesse voado com o vento. E então escrevi mais uma história e depois mais outra.

Resultado: o gnu e o texugo hão de regressar em breve para fazerem mais das suas!

Fico muito feliz (e muito baralhada) com isto tudo!


Esta é a primeira parte do Making Of do livro “O Gnu e o Texugo“. Descubram na segunda parte como nasceram os desenhos, por Madalena Matoso.