7 perguntas a Isabel Meira

Isabel Meira é jornalista da Antena 2, onde faz reportagens e audiodocumentários. No seu percurso, passou pelo Rádio Clube Português e pela TSF, e os seus trabalhos já lhe valeram várias distinções.

Estreia-se agora no Planeta Tangerina com o livro “Gosto, logo existo“, onde fala sobre redes sociais, jornalismo e fake news. Falámos com a autora sobre algumas das ideias do livro.


Se está tudo na internet, o que andam a fazer os jornalistas?

Os jornalistas andam a fazer aquilo que sempre fizeram: informação, mas num contexto muito mais desafiante.

Eu não acho que esteja tudo na internet. As empresas como a Google e a Amazon é que conseguiram instalar em nós essa sensação (o que é bem diferente): a velocidade das respostas quando fazemos uma pesquisa, a quantidade de links que existem… é uma loucura! Parece que está lá toda a informação sobre tudo aquilo que existe no mundo e torna-se avassalador. Ainda por cima anda sempre connosco, no bolso, e pode tornar-nos passivos. Recebemos o que aparece e já está.

Portanto, ter consciência disso é fundamental para perceber melhor o papel do jornalismo na sociedade. Porque fazer informação — fazer jornalismo — implica investigar, fazer contas, observar, comparar, analisar… e pôr em prática as técnicas jornalísticas, as regras que definem como se faz uma notícia ou como se faz uma reportagem. Se nós precisamos de informação para tomar decisões, para orientar tudo aquilo que vamos fazendo ao longo da vida, temos de perceber que também precisamos do jornalismo na sociedade. A internet devia ser uma ferramenta — talvez a ferramenta mais poderosa de todas, sobretudo hoje em dia — mas não é apenas isso.


Uma notícia falsa é uma notícia?

Não, uma notícia falsa não é uma notícia. A expressão “fake news” é traduzida em português dessa forma (“notícias falsas”), mas eu acho essa tradução um pouco perigosa, pois parece que uma notícia pode ser verdadeira ou falsa. E não pode, ou não deveria poder.
Segundo a técnica jornalística, para uma notícia ser construída como tal, os factos têm de ser verificados antes de serem publicados e, portanto, são sempre verdadeiros. Por isso, eu prefiro traduzir “fake news” por “desinformação”. Parece-me que esta expressão dá uma ideia mais concreta de que existe um movimento, que é contrário ao movimento da informação, e que não acontece de forma inocente. Há objetivos concretos que podem ser ganhar dinheiro ou enfrentar um adversário político. A desinformação não é só uma brincadeira da internet.


Deixámos de nos importar com a verdade. Verdade ou mentira?

Eu não sei. Porque, por um lado, estas generalizações são complexas; por outro lado, há factos que nos mostram que a mentira consegue ser muito eficaz e ter consequências muito concretas nas nossas sociedades. Factos como a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América, em 2016, ou como o referendo sobre o Brexit, que desencadeou todo o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, são exemplos em que a mentira ganhou forma através da manipulação da informação, através das fake news. E eu não sei se isso acontece porque deixámos de nos importar ou porque a internet se tornou uma ferramenta muito poderosa para os fabricantes de mentiras. Tão poderosa que se calhar consegue levar-nos a encolher os ombros, não é?


O que é isso do pensamento crítico?

É sobretudo a nossa capacidade de resistir à tentação de fazer julgamentos apressados, sem fundamento, e isso exige muito treino. Exige um treino de observação, de comparação, de questionamento, de ter dúvidas, de desconfiar.

A investigadora Joana Sá explica isso muito bem no prefácio do livro. O nosso cérebro tem tendência a formar primeiro as opiniões e depois ir à procura de factos que confirmem essas opiniões. E se nós não estivermos atentos, é isso que vai acontecer, portanto corremos o risco de ver o mundo através de um enorme filtro de preconceitos e de tomar decisões muito menos acertadas ou ponderadas. O pensamento crítico é a capacidade de derrubar esses filtros, de nos colocarmos no lugar do outro, de percebermos que a realidade pode ter várias camadas e ser muito mais complexa do que parece.


Será que a internet precisa de travões? Quais?

Depende do que é que significam esses travões. A internet, as empresas tecnológicas, as plataformas digitais… são uma indústria, uma indústria que deveria funcionar segundo regras, tal como funcionam todas as indústrias. Por exemplo, não nos passaria pela cabeça que a indústria dos aviões funcionasse praticamente sem regras ou com códigos internos que não são conhecidos, porque isso poderia ser perigoso para milhares de milhões de pessoas que utilizam os aviões em todo o mundo. Então como é que é possível que estas empresas, que também têm um impacto enorme na vida de milhares de milhões de pessoas e que fazem o seu negócio também à custa dos dados pessoais que recolhem dos utilizadores, como é que essas empresas podem funcionar praticamente sem regras?


De que nos serve ser pessoas verdadeiramente informadas?

Eu acho que a melhor resposta a essa pergunta é um pequeno exercício de imaginação que eu tentei fazer no livro: imaginar como seria acordar um dia e não ter informação sobre nada, não ter acesso a informação ou todas as informações serem falsas. Esta pandemia da COVID-19 é também uma boa oportunidade para pensarmos sobre isto. Como é que nós iríamos fazer? Nós passamos a vida a tomar decisões, a fazer escolhas (sobretudo quando temos a sorte de viver em sociedades democráticas em que é possível fazer essas escolhas) e, então, estar informados é como ter uma espécie de músculo invisível que nos ajuda a tomar decisões mais sólidas, mais consistentes. Não necessariamente mais acertadas, não se trata disso, mas pelo menos mais conscientes.


E como podemos sê-lo? Dá-nos 3 pistas importantes.

Eu podia dizer “verificar informação antes de partilhar”, “desconfiar de conteúdos altamente virais” e “denunciar esses conteúdos quando eles são falsos”. Três pistas. Mas eu acredito sinceramente que primeiro, é preciso que nos “caia a ficha”. Primeiro, é preciso parar para pensar, ter consciência de que estamos adormecidos e de que estamos a ser manipulados por coisas como a quantidade de likes que temos nas redes sociais ou como o sistema de notificações que nos faz estar em permanente estado de alerta. E, portanto, eu acho que a pista verdadeiramente mais importante nesta altura é esta: parar para pensar. Rebentar a bolha.