Making of do livro “Menino, menina”

por Joana Estrela

É raro saber exactamente o dia e a hora em que tive uma ideia para um livro. Mas neste caso até sei! Porque enviei logo uma mensagem ao meu amigo Nicolau.

Por isso, podem ver que a ideia inicial era um bocado diferente de como o livro ficou, mas começou tudo por aqui.

Acho que me lembrei de fazer este livro porque tinha estado a preparar uma apresentação em que mostrava duas fotos minhas de quando era criança.
Eram estas:

Achei que se eu não dissesse a ninguém que sou eu nas duas fotos, a maior parte das pessoas ia pensar que é a foto de um menino e de uma menina.
E eu não quero dizer que isso seja errado. Todos nós tiramos conclusões rápidas à primeira vista. Eu também faço isso. Acho que é normal olhar e pensar calças + carro = menino e boneca + saia = menina. Mas também acho que é importante questionarmos porque é que pensamos assim. E lembrarmo-nos de duvidar dessas primeiras impressões, e dizermos para nós próprios: ok, aquela criança tem calças e cabelo curto e está a brincar com um carro, por isso se calhar é um rapaz, mas pode muito bem nem ser.

Porque na verdade os rapazes não gostam todos das mesmas roupas e brinquedos. E as raparigas também não. Se dividíssemos o mundo em meninos de um lado e meninas do outro (como nas aulas de educação física) aquele grupo de meninos, e aquele grupo de meninas, é muito diferente entre si.

E quando começamos a pensar nestas coisas normalmente chegamos a outra pergunta: Então será que é importante saber se alguém é um menino ou uma menina?
Na minha opinião não é lá muito necessário.

Por exemplo, eu acho que há coisas muito mais interessantes para saber sobre mim, além de ser uma rapariga. Acho se alguém perguntar. “Quem é a Joana?” e responderem “É uma rapariga”, isso é sem dúvida uma parte de quem eu sou, mas não diz lá muito sobre os meus gostos e personalidade.
Se disserem “a Joana foi bailarina” ou “a Joana é ilustradora” ou “a Joana não come salame de chocolate porque uma vez comeu demasiado e vomitou-o todo e enjoou salame de chocolate para sempre” isso são coisas que também dizem muito sobre quem eu sou.

E isto leva a outra pergunta: E se alguém não for nem menino nem menina?
Como deu para ver no exemplo acima do ballet e do salame, as pessoas são muitas coisas! E se alguém decide que não precisa dessa peça, da peça menino ou da peça menina? Ou que a quer substituir por outra? Eu acho que isso não devia importar muito, porque é só uma parte do leque de tudo que nos faz ser nós mesmos.

Então, eu pensei nestas coisas todas e tentei pô-las no livro. No início escrevi em espanhol porque ia enviar o livro para um concurso de livros ilustrados em Espanha. Acho que o facto de ter escrito em espanhol ajudou a tornar o livro muito simples. Isto porque eu não sei falar espanhol nada bem, e então tinha de simplificar!

Procurei por ditados em espanhol que fossem o equivalente aos nossos “Quem vê caras não vê corações” e “Gostos não se discutem”. Depois quando traduzi esses ditados de volta para o português gostei muito de como soavam! Se calhar foi um bocado batota, usar frases feitas de outra língua, mas resultou!

Os desenhos também foram surgindo aos pouquinhos, com o texto.
Fiz os rascunhos com canetas de feltro, mas depois percebi que gostava mais de lápis de cera.

No início, tinha pensado neste livro como um exercício, como um teste em que o objectivo era perceberes que não há resposta. E mantive essa ideia no final. Os personagens perguntam “Quem é o quê?” e na página seguinte lembram-nos de que não está nos olhos de quem vê. Não há resposta. O leitor não sabe. E é ok não saber.