Making of do livro “Como ver coisas invisíveis”

Isabel Minhós Martins:

Nunca é exatamente como tínhamos imaginado no início.

Este livro (“Como ver coisas invisíveis“) não foi exceção.

Começou tudo com uma fotografia de Alexander Bell, conhecido por ser o inventor do telefone. Esta fotografia não era uma daquelas imagens banais que encontramos numa pesquisa rápida pela internet: homem sério, de fato escuro e barbas, telefone na mão. Esta imagem dava a conhecer uma outra faceta de Bell, para mim uma faceta muito inesperada. Nela vemos Alexander junto a uma construção, que não percebemos imediatamente ser real ou desenhada sobre o papel fotográfico, na qual linhas finas criam formas piramidais que se sobrepõem e encaixam umas nas outras. A construção é oca, e a sua transparência deixa ver no interior uma mulher de saia comprida e camisa abotoada, de quem Bell se aproxima com ar carinhoso.

A fotografia de Bell atraiu-me instantaneamente pelo que continha de brincadeira, jogo, leveza. E mistério, claro. Eu conhecia o nome de Bell e estava longe de o imaginar num cenário tão descontraído, quase divertido. Mas o espanto não foi apenas esse. Havia, naquela forma qualquer coisa enigmática que me atraía. Seria uma escultura? Uma experiência? Fui procurar a fonte da imagem e encontrei-a num site chamado The Public Domain Review, um jornal on-line que guarda arquivos de fotografias, ilustrações, uma espécie de “gabinete de curiosidades da era digital”.

A fotografia, tirada em Outubro de 1903 e onde surge Mabel, a mulher de Bell, faz parte de um artigo dedicado a Bell e aos seus papagaios de papel tetraédricos. Neste artigo explica-se que Bell se interessava muito por aerodinâmica e, durante alguns anos, ele e sua equipa dedicaram-se à construção de papagaios com estruturas tetraédricas, que permitiam poupar materiais e torná-los mais leves. O artigo inclui outras fotografias onde é possível ver Bell e os seus assistentes a trabalhar ao ar livre nestas investigações.


Alexander Graham Bell e Mabel Hubbard Gardiner Bell, Baddeck, Nova Escócia, 1903.
Crédito: Coleção Gilbert H. Grosvenor / Biblioteca do Congresso, Washington, EUA. (fotografias da família Graham Bell)


As imagens fizeram-me pensar em como os cientistas têm facetas que desconhecemos. Que muitas vezes têm investigações paralelas aos seus trabalhos principais (ou que os tornaram mais conhecidos). Também porque estas imagens eram tão bonitas e as estruturas tão intrigantes, fiquei a pensar em como arte e a ciência podem ser mundos não tão afastados como às vezes cremos. Por outro lado, não conseguia deixar de me lembrar do prazer de Bell e dos seus assistentes, pois ficamos com a sensação de que se divertem juntos, como crianças num parque. E essa ideia levou-me a outra: será que os momentos em que brincamos enquanto crianças têm um papel importante na nossa criatividade enquanto adultos? Fiquei também a matutar na ideia de contaminação, entre diferentes áreas do saber, entre arte e ciência, entre as várias ciências, entre as várias artes. 

A ideia deste entusiasmo ligado ao trabalho começou a interessar-me (que é como que diz, a entusiasmar-me!). Para onde vai tudo isso quando crescemos?

Comecei então a pesquisar, a ler histórias de cientistas e artistas. Inspirada pelas fotografias de Bell, também pesquisei imagens, isto é, exemplos de adultos divertindo-se, construindo coisas, procurando respostas. Encontrei imagens incríveis que ainda guardo num dossier: o cientista Carl Sagan no Vale da Morte, junto a um módulo semelhante ao que aterrou em Marte; as colagens divertidíssimas da poeta Szymborska (de quem falo muito neste livro); o designer Bruno Munari torcendo arames; a artista Lourdes Castro criando fotonovelas com amigos-artistas; o fotógrafo Carlos Relvas franzindo o nariz à sua própria máquina.


Carl Sagan, Death Valley, Califórnia, Outubro 1980. Crédito: Jet Propulsion Laboratory/NASA
 

Bruno Munari // Carlos Relvas // Louise Bourgeois: © Peter Bellamy @ www.crystalbridges.com


Mas, claro, concluí não ser fácil conhecer as infâncias de muitas destas pessoas. Conclui ser difícil tirar conclusões sobre essa relação entre brincar e criar. Pensei que todas estas pessoas se divertiriam em alguns momentos e, noutros, é claro que não. Pelo que fui lendo, também percebi que apesar de ser importante ter vários interesses, há sempre um certo grau de especialização que é fundamental para se fazer perguntas interessantes e se trazer alguma coisa nova para a área de investigação em que se trabalha. 

Fiquei durante muito tempo sem saber o que fazer com todo o material que fui reunindo: imagens, notas, inícios de textos, frases inspiradoras e esqueletos inacabados. Apesar do impasse, continuava a pesquisar, a fazer listas de cientistas e artistas, a tentar organizar ideias e, sobretudo, a tentar perceber que raio de livro queria eu fazer.

Depois, muitas outras coisas se foram juntando.

E no final, é claro, não foi nada do que tinha imaginado.


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Madalena Matoso:

Quando o texto me chegou às mãos, já esse esqueleto de que fala a Isabel tinha sido encontrado. 


Tenho um caderno com os desenhos que ia fazendo para este livro. 
Como o livro é muito grande, desta vez, tentei ser mais organizada. Esse caderno ajudou, principalmente nos primeiros capítulos. 



Houve uma fase em que fui trabalhar para casa. Apesar de ter aqui no atelier uma sala para trabalhar, precisei desses dias em que espalhava tudo pela mesa e pelo chão e ia fazendo desenhos uns atrás dos outros, sem saber muito bem o que andava a fazer.

Uma das coisas mais difíceis é perceber o lugar destes desenhos. Os textos são tão vivos que dispensam imagens a acompanhar. Quase não há questões técnicas que precisem de imagens para ajudar a explicar. Não tenho muito talento para desenhar figuras históricas…
Os desenhos vão aparecendo sem pensar muito no papel que têm neste livro. Mas agora que penso nisso, talvez sirvam também para criar outras bifurcações. Muitas vezes estão só a brincar com o texto. Quase sempre há ideias no texto que não me saem da cabeça e se transformam num desenho. Quero percebê-las melhor, fazendo um desenho.


Processo / imagens não usadas:



Ilustrações originais:



Originais do capítulo “Uma história, uma experiência”:



Capa:




Letras e padrões: